CIDADE DO VATICANO, domingo, 19 de dezembro de 2010 (ZENIT.org)  – Publicamos a terceira meditação do Advento do Pe. Raniero  Cantalamessa OFM cap, pregador da Casa Pontifícia, pronunciada na  sexta-feira passada, diante de Bento XVI e da Cúria Romana.

Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap.
3ª Pregação do Advento
“ESTAI SEMPRE PRONTOS A DAR A RAZÃO DA VOSSA ESPERANÇA.” (1 Pe 3,15)
A resposta cristã ao racionalismo 

1. A razão usurpadora
             O terceiro obstáculo que faz parte da cultura moderna, “refratária” ao  Evangelho, é o racionalismo. Sobre isso falaremos nesta última meditação  do Advento.
             O cardeal e, agora, Beato John Henry Newman,  deixou-nos um discurso memorável, proferido em 11 de dezembro de 1831,  na Universidade de Oxford, intitulado The Usurpation of Raison, a usurpação ou a prevaricação da razão. Neste título já está a definição do que entendemos como racionalismo.  Numa nota explicativa a este discurso, escrita no prefácio à sua  terceira edição, de 1871, o autor explica o que quer dizer com esse  termo. Por usurpação da razão – diz – se entende “certo abuso  generalizado dessa faculdade quando se fala de religião sem um  conhecimento íntimo ou sem o respeito devido aos princípios fundamentais  desta. Essa ‘razão’ é chamada ‘sabedoria do mundo’ nas Escrituras é a  compreensão de religião dos que têm a mentalidade secularista e se  baseiam em máximas do mundo, que lhes são intrinsecamente alheias”.
             Em outro de seus sermões na universidade, intitulado “Fé e Razão  comparadas”, Newman ilustra por que a razão não pode ser o juiz supremo  em matéria de religião e de fé, com a analogia da consciência:
“Ninguém – escreve – dirá que a consciência se opõe à razão, ou que seus  preceitos não podem ser apresentados em forma de argumento; no entanto,  quem, a partir disso, argumentará que a consciência não é um princípio  original, mas que, para atuar, precisa atender o resultado de um  processo lógico-racional? A razão analisa os fundamentos e os motivos da  ação, sem ser ela mesma um destes motivos. Portanto, a consciência é um  elemento simples da nossa natureza e, no entanto, suas operações  admitem ser justificadas pela razão, sem com isso depender realmente  dela [...]. Quando se diz que o Evangelho exige  uma fé racional,  pretende-se dizer somente que a fé concorda com a reta razão em  abstrato, mas não que seja realmente seu resultado”.
                 Uma  segunda analogia é a da arte. “O crítico de arte – escreve – avalia o  que ele mesmo não sabe criar, assim também a razão pode dar sua  aprovação ao ato da fé, sem por isso ser a fonte da qual a fé emana”.
                A análise de Newman possui recursos novos e originais; destaca a  tendência, imperialista, por assim dizer, da razão a submeter todo  aspecto da realidade aos próprios princípios. É possível, entretanto,  considerar o racionalismo ainda de um outro ponto de vista, intimamente  ligado ao anterior. Para ficar na metáfora política empregada por  Newman, podemos definir como atitude de isolamento, de fechar-se a essa  mesma razão. Isso não consiste tanto em invadir o campo de outros, mas  em não reconhecer a existência de outro campo fora do seu próprio. Em  outras palavras, na negação de que possa haver verdade fora da que passa  através da razão humana.
               Desse modo,o racionalismo não nasceu  com o iluminismo. É uma tendência contra a qual a fé  sempre teve de  lidar. Não só a fé cristã, mas também a hebraica e a islâmica, pelo  menos na IdadeMédia, conheceram esse desafio.
Contra essa  afirmação de absolutismo da razão, levantose em cada época a voz não só  de homens de fé, mas também de militantes no campo da razão, filosofia e  ciência. “O ato supremo da razão, escreveu Pascal, está em reconhecer  que existe uma infinidade de coisas que a sobrepassam.” No mesmo instante em que a razão reconhece seu limite, ela o rompe e o  supera. É por obra da razão que se produz este reconhecimento que é, por  isso, um ato puramente racional. Essa é, literalmente, uma “douta  ignorância”. Um ignorar “com conhecimento de causa”, sabendo que se está ignorando.
              Devemos,  portanto, dizer que estabelece um limite para a razão e a humilha  aquele que não reconhece nela esta capacidade de transcender-se. “Até  agora, escreveu Kierkegaard, sempre se falou assim: ‘Dizer que não se  pode entender esta coisa ou aquela não satisfaz a ciência que deseja  conhecer’. Esse é o erro. É preciso dizer exatamente o oposto: onde a  ciência humana não quer reconhecer que há algo que ela não pode  compreender ou – ainda mais preciso – qualquer coisa que da qual a  ciência, pode entender com clareza ‘que não pode entender’, então tudo  estará desordenado. É, portanto, uma tarefa do conhecimento humano  compreender que existem essas coisas e quais são essas coisas que ela  não pode compreender.”